Os estímulos e Montessori

crianca_ecran.jpg

O que significa estimular? Na sociedade de hoje super-estimulada consciente e inconscientemente somos, invariavelmente, levados a pensar que podemos estimular mais as crianças e que se não o fizermos podemos condicionar o futuro delas. Grande parte da publicidade a brinquedos, materiais, programas de TV e jogos nos incitam a procurar um estímulo, cada vez mais, específico, planeado, calculado, cada vez melhor, no sentido de produzir resultados.

Basta ser mãe e pesquisar sobre Montessori para os algoritmos de publicidade nos sobrecarregarem com propaganda sobre aplicativos milagrosos para pais e profissionais sobre estimulação de bebés, por exemplo. Trabalhamos para atingir metas, vivemos sobre e sob metas, educamos com medo de não as atingir – sabemos cada vez mais quando é suposto ver o primeiro sorriso, o primeiro dente, as primeiras palmas, os primeiros passos, ouvir as primeiras palavras, mas também, sabemos cada vez menos esperar! Seria ótimo, usar todas essas ferramentas para observar melhor os nossos filhos, mas sabemos cada vez menos fazê-lo. 

Antigamente observávamos muito mais: precisávamos de olhar para o céu para tentar adivinhar se choveria ou não – hoje basta espreitar o telemóvel e interpretar um de dois símbolos; Para aprender a cantar precisávamos de escutar alguém atentamente, observar os lábios e repetir vezes a fio – hoje aprendemos mais rapidamente a ligar a televisão, o Youtube ou o Spotify e nem de cantar precisamos, podemos descansar a ouvir o que nos agrada sem corrermos o risco de nos enganarmos ou de nos assustarmos com a nossa voz.

Devo alertar: estimado pai ou educador não existe vida sem estímulo – o estímulo existe em tudo o que incute uma ação. Existe, sim, uma variedade enorme de estímulos e uma atenção criteriosa necessária voltada para a forma como se apresentam. A filosofia montessoriana pauta-se por ser uma pedagogia de ajuda à vida e, portanto, nenhum estímulo se prende à aquisição de uma habilidade específica para uma faixa etária, mas sim para o crescimento saudável e íntegro de um indivíduo. 

Fases de desenvolvimento distintas exigem estímulos diferentes, mas se por exemplo até aos 6 anos a independência funcional (no movimento, em tarefas da rotina diária e na expressão) são o objetivo primordial, então um ambiente preparado, condutas claras, modelos de comportamento, interação social e tempo para permitir executar serão o estímulo primordial. 

O maior e melhor estímulo para ensinar um bebé a virar-se é simplesmente dar-lhe a oportunidade de ficar deitado de barriga para cima numa superfície horizontal, regular e firme como o chão, pois descobrirá os membros, o balanço do corpo e o ímpeto de viver levá-la-á a explorar novas posturas e movimentos, cada vez mais, amplos até que se vire sobre um dos braços e descubra uma nova forma de ver o mundo. Depois, dessa nova perspetiva de mundo e a memória dos movimentos fará com que o repita até se desenvolver melhor sua musculatura e conquistar a vitória transitória de se colocar de bruços, conseguindo movimentar os quatro membros. Existem várias outras formas de alcançar o mesmo resultado, mas não seria esta a mais justa e natural? Poderíamos forçar a posição de bruços, colocando o bebé numa imobilização imposta, esperando que seu instinto impulsione um movimento novo, mas perderá todo o prazer de rotação do tronco, natural, autónomo e completo. Imobilizar os bebes em camas ou cadeiras com brinquedos sonoros ou exageradamente apelativos disponíveis, retirarão possivelmente algumas horas de exploração autónoma do corpo e do movimento também, trazendo outros conceitos antes desta autonomia de movimento.

Asseguro que num bom ambiente Montessori o melhor estímulo é a liberdade para explorar, expressar, repetir, errar e gerir o próprio tempo, num ambiente em que os adultos se preparam para poder observar as necessidades individuais de cada criança e conhecem com profundidade as características comuns em cada faixa etária. 

Nunca se esqueça da importância dos estímulos mais singelos - um “bom dia” sincero será para qualquer indivíduo um estímulo ótimo: para o bebé um estímulo para a linguagem oral, para a criança de 3 a 6 um exercício de graça e cortesia, para uma criança mais velha uma lição de socialização, para um adolescente a coragem e o carinho discreto para enfrentar um novo dia, para um colega de trabalho uma demonstração de respeito e para o ancião da casa uma demonstração de amor.

Apenas uma nota: Ainda que não seja estritamente ligado ao artigo sou incapaz de terminar de o escrever sem adicionar a informação de que este singelo estímulo social, de desejar “bom dia”, que a minha avó distribui invariavelmente à vizinha foi suficiente para que essa amiga lhe salvasse a vida quando um dia estranhou a ausência dela, há alguns anos atrás, e retribuísse cada minuto despendido na rotina generosa de anos no maior contrarrelógio da sua vida.

Siga-nos

Sara Chong

Sara Chong é mãe, pianista, professora de piano na Prima Escola Montessori de São Paulo. Autora da Educating for Peace. Guia Montessoriana em formação e editora do Brasil do Montestory.

Anterior
Anterior

Uma cozinha encantada

Próximo
Próximo

Ser Mãe