OS RÓTULOS CEGAM

"Ele é tão tímido...", "Que menino inteligente, assim vai longe!"... "O meu filho é muito teimoso...", "O meu filho é preguiçoso...", “O meu filho é um pestinha.”Os adultos têm por hábito rotular as crianças, pais, avós, professores e todos no geral. Repare-se que, a maioria dos pais faz comentários depreciativos ou elogiosos sobre os filhos. Parecem inofensivos —alguns, podem até parecer carinhosos. Mas, aos ouvidos das crianças, têm o poder de uma sentença.

Rotular uma criança — mesmo que num tom de elogio — é o caminho mais curto para limitar a sua aptidão futura. Os rótulos existem para nos facilitar a vida. Já  imaginou, ir  às compras e nenhum produto ter rótulo seria difícil identificar os produtos, felizmente os produtos têm rótulos. O problema é que as  as crianças não são produtos e ao rotulá-las, muitas vezes procuramos uma sensação de segurança, acreditando que o rótulo reflete com precisão quem a criança é interiormente. Esperamos que o rótulo nos guie, fornecendo orientações sobre como interagir e lidar com a criança. Contudo, rotular as crianças pode ter profundas implicações para o seu desenvolvimento. Os rótulos podem ser definidos como descrições ou categorias que associamos a uma criança com base nas suas características, comportamentos ou habilidades percebidas. Embora, possam parecer inofensivos à primeira vista, podem moldar significativamente, a identidade, autoestima e a perspetiva de uma criança.

Os rótulos são limitadores para o bem e para o mal. Limitam a liberdade: a criança que recebeu o rótulo de irrequieta não consegue ser mais nada. Todos estão fixados nela, à espera de que uma qualquer evidência comprove o rótulo, que mostre, de novo, que ela é mesmo irrequieta. Limitam a aptidão de uma criança. Quando rotulamos uma criança como "tímida", "inteligente", "desajeitada" ou qualquer outro adjetivo, estamos a definir as suas características de forma bastante restrita. Isso pode levar a criança a acreditar que essas características são imutáveis, limitando a sua motivação para se desenvolver em áreas em que não se encaixam nesses rótulos.

Por exemplo, uma criança rotulada como "inteligente" pode evitar desafios intelectuais por medo de não atender às expectativas, enquanto uma criança rotulada como "desajeitada" pode desistir de atividades físicas antes mesmo de tentar.

Além disso, os rótulos podem afetar a autoestima da criança. Uma criança rotulada de forma negativa pode desenvolver uma imagem negativa de si mesma e sentir-se inadequada. Por outro lado, uma criança rotulada de forma excessivamente positiva pode sentir uma pressão constante para manter essa imagem idealizada, o que pode ser stressante e prejudicial para a sua autoestima.

O rótulo é como uma etiqueta que esconde a verdadeira criança, e cria na criança a necessidade de se adequar ao dito rótulo - “Se dizem que sou preguiçoso então vou ser preguiçoso”, quando o que queremos é que a criança se comporte de forma diferente  daquilo que foi rotulada. 

Quando uma criança recebe um rótulo, a criança cola-se a ele, e aos poucos esse rótulo funde-se com a própria criança, até fazer parte dela.

A criança e o adolescente ainda não sabem quem  são, pois a sua personalidade está em processo de desenvolvimento. É o adulto quem diz a eles quem são e lhes dão o conceito de identidade. A mania de rotular é um hábito geracional inconsciente: os avós, tios, primos e os pais entendem que "classificar" os filhos conforme certas características é algo natural. Que rótulos lhe colocaram em criança ainda se lembra?

É urgente por isso olhar para as ações da criança de forma factual e livre de juízos de valor, de preconceitos e de “achismos”. Precisamos estar presentes no momento, isto significa que cada dia é uma nova experiência, o que aconteceu ontem foi ontem, precisamos de dar às crianças novas oportunidades todos os dias, porque todos os dias são novos em descobertas e experiências para cada criança.

 
Mara Alves

Jornalista e autora do montestory.

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