Criança não é gente

A forma como se educa é uma consequência cultural, que caso não tenhamos consciência disso, transformar-se-á numa barreira na abertura de mentalidades. Estamos no séc. XXI, temos acesso a informação, mas parece que retrocedemos. Muitos de nós, ainda, marcados por infâncias difíceis, temos dificuldade em fazer diferente e em ver a educação de forma diferente.

Crianças a brincar na lama

Permanece a ideia de que a criança não é gente e que está à mercê do adulto. Existe uma ideia generalizada, na sociedade, que posiciona a criança abaixo do adulto. Em inúmeras situações podemos verificar isso mesmo. Já reparou, por exemplo, nos edifícios públicos, como hospitais, ou ao nível do mobiliário urbano, raramente são pensados nas crianças. Se as crianças acompanham os pais a esses locais porque não existem cadeiras para eles se sentarem, ou as casas de banho, porque só existem casas de banho para adultos!? São exemplos notórios que revelam que a criança não importa, e é menos que o adulto e, por isso, o mundo está pensado para os senhores adultos. Outro exemplo, que não posso deixar de reparar, é a nível da restauração, tantas e tantas vezes que nem sequer há uma opção de menu para crianças e às vezes nem a gentiliza de preparar algo para elas. 

Por último, ainda neste ponto, destaco que nós adultos, pais e educadores somos preconizadores constantes desta mentalidade sempre que falamos mal da criança, na sua presença e fora dela, sempre que o fazemos estamos a diminuir-lhe importância. Será que falamos mal de outros adultos, com outros adultos, quando estamos na presença dos mesmos? Se calhar não, pelo menos, se formos minimamente educados, mas quando se trata de crianças fazemo-lo, sem qualquer consideração, apenas porque achamos que ela não entenderá, ou que não faz mal, ou porque, inconscientemente, achamos que somos superiores e, por isso, temos o direito em fazê-lo, será que isto está correto!?

Crianças independentes, crianças incompreendidas

Uma criança de dois anos é capaz de servir a sua própria água, num jarro de vidro ou de ajudar na cozinha, aos olhos da sociedade isso é estranho ou “giro”, mas raramente encarado como aquilo que é – seguir a criança. Quando está a crescer, a criança é movida como por um guia interior, que a leva a fazer as coisas até conseguir firmar a sua habilidade, consoante a fase de desenvolvimento que está, afinal ela acredita ser capaz, porque é tão difícil os adultos acreditarem também? 

O mesmo acontece, quando não permitimos a criança fazer algo sozinha, vamos logo a correr e fazer por ela, umas vezes, por falta de tempo, outras de paciência, outras porque achamos que a criança não será capaz sem a nossa ajuda.

Hoje, temos estudos científicos que provam que desde, muito cedo, bebés são capazes de fazer muitas coisas necessárias ao seu desenvolvimento, não são apenas caprichos ou birras, como tantas vezes chamamos. Todas as suas ações e reações têm um motivo -  uma necessidade não correspondida. O bebé chora porque tem fome, mas também chora por estar preso numa cadeira de baloiço que insistimos em ter, porque é gira, toda a gente tem e porque nas instruções diz que acalma, nada mais errado! O bebé quer mexer-se porque precisa, precisa de mover os braços, as mãos e as pernas, está a desenvolver-se. Um tapete no chão resolve tudo isso e é tao mais barato que a cadeira de baloiço que existe na loja. 

Acreditar nas capacidades da criança, proporcionar-lhe um ambiente saudável, seguro, interessante, com espaço para que se possa mover, de preferência, livremente pela casa, irá promover uma aprendizagem de forma natural, contribuirá para que a criança cresça livre e autónoma e o mais importante, feliz. Para que um dia se torne um adulto responsável, independente, dotado de espírito crítico e  com capacidade de decisão. É essencial que as crianças sejam acolhidas num ambiente respeitoso, ignorar isso é comprometer as gerações futuras. 

 

 

Mara Alves

Jornalista e autora do montestory.

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