Bebés - documentário

Quatro recém-nascidos, em quatro ambientes geográficos e sociais muito diferentes, são seguidos desde o nascimento até o primeiro ano de vida. Dois vivem em meios urbanos - São Francisco e Tóquio. Outro cresce no campo, numa tenda na Mongólia, os pais são pastores e o quarto bebé vive numa cabana na Namíbia. A ideia é destacar as semelhanças e diferenças entre cada cultura. Quem tem interesse por desenvolvimento infantil ou simplesmente paixão por bebés deve assistir a este documentário que tão bem retrata os primeiros meses de vida do ser humano.

Análise à luz de Montessori

Da autoria de Thomas Balmes, Bebés (Babies) pode ser visto na Netflix e é de 2010.

Nascemos, seja qual for o nosso berço. Este documentário fala sobretudo de amor, o amor de mãe é tão verdadeiro numa tribo desprovida de qualquer luxo, como de uma mãe que vive e pode oferecer conforto ao bebé acabado de nascer. Somos todos diferentes, mas todos iguais. Todos nascemos, ainda que, longe das condições ideais, temos as mesmas necessidades e o desenvolvimento acontece atingido as mesmas etapas. A natureza encarrega-se de dar a força, mesmo quando o que existe é, aos nossos olhos, nada. A mente absorvente, os períodos sensíveis e as tendências humanas estão presentes em toda a humanidade.

Este documentário começa por nos mostrar como é o início da vida de quatro bebés, nascidos de quatro mães, de diferentes países e, em todos eles, vimos a adaptação à vida a acontecer. O recém-nascido tem que se adaptar a viver fora do útero da mãe. Sente frio, calor, fome, sono e tudo é uma novidade. Deve receber cuidados e as suas necessidades devem ser respondidas, precisam de se alimentar, dormir, ter atenção, carinho e proteção. Cada um, de modo diferente, foi protegido alimentado, cuidado, acarinhado. Vimos também que têm as mesmas reações perante as mesmas situações, choram, gritam, sorriem. Assistimos, também, como gostam de explorar o mundo com os seus olhos, ouvidos e corpos. Dotados de uma mente que tudo absorve, o bom e o mau, os cheiros, os sons, mas também a cultura, a linguagem, os gestos e comportamentos.

Observar estes quatro bebés oriundos de diferentes culturas, mostra-nos que o desenvolvimento acontece, naturalmente e, tal como Maria Montessori disse, no livro Mente Absorvente, “O desenvolvimento da criança consiste em muitas partes, todas determinadas no tempo de sucessão, por leis especiais que são comuns a todos.” Por isso, todos os bebés gatinharam, sentaram-se, colocaram-se de pé e, por fim, caminharam. O mesmo se passou ao nível da linguagem, de choro e gritos, surgiram as primeiras sílabas. A conquista dessas etapas não depende do adulto, a natureza encarregar-se-á de o fazer, é a força do Horme*

Nascer onde nascemos será sempre o sítio onde nos sentimos em casa, apreendemos a ser daquele lugar. Essa essência é aquilo que nos vai moldar, no que toca, a comportamentos, gestos, cultura e hábitos. Somos fruto do ambiente onde vivemos e com quem vivemos, isso criará o modelo de mundo que absorveremos. Por exemplo, o bebé nascido na Mongólia terá uma ideia de mundo diferente do bebé nascido no Japão. O primeiro vive no meio do campo, entre animais e natureza e o segundo na agitação da cidade. O bebé da tribo explora pedras e terra, coloca na boca e mexe com as mãos. Uns gatinharam no chão limpo de casa, outros no chão de terra. O bebé da Mongólia colocou-se de pé apoiando-se numa cabra, enquanto, o da Califórnia conseguiu o mesmo feito, apoiando-se numa cadeira. Veja-se, também, como para os bebés, da Mongólia e da tribo, é natural estar entre os animais e como para o bebé de Tóquio isso não faz parte do seu mundo e, por isso, numa ida ao zoológico desfez-se numa crise de choro.

Este documentário, mostra estes bebés a terem diferentes experiências sensoriais, embora com o mesmo objetivo -  explorar. Todos os bebés têm uma curiosidade imensa sobre o mundo que os rodeia, se um observa a cidade onde vive, o outro observa o prado ou a savana. Uns podem ter brinquedos, outros nem tanto, usam o que há no ambiente: livros, pedras, terra, um gato, um galo e até moscas, mas o objetivo é o mesmo – conhecer o  mundo e construir-se como ser humano. Tal como, Maria Montessori diz no livro da Mente Absorvente.

“A criança não adquire em seu desenvolvimento apenas faculdades humanas, a força, a inteligência, a linguagem, mas , ao mesmo tempo, adapta o ser que ela constrói às condições do ambiente”.

E, se o ambiente nos constrói, temos então de considerar dois ambientes - o físico e o humano é a junção do que temos no ambiente e o papel do adulto que guiará essa construção física, mental e social. Repare-se como o ambiente é o responsável por aquilo que tiramos dele e ao mesmo tempo uma reflexão da cultura. Vimos bebés que comem num prato, mas também bebés que comem com a mão, em grupo e todos do mesmo tacho. O bebé da Mongólia observa a mãe a tratar das tripas de um animal que tinha acabado de ser morto. Esses hábitos serão absorvidos, repetidos e imitados.

A comunicação é também uma caraterística dada pelo ambiente, é algo que nos permite conectar com outros e sermos seres sociais. Cada bebé falará a língua do seu país e adquirirá também formas de expressão, como por exemplo a música, cânticos e canções. Hábitos e formas de estar serão também absorvidos pelas crianças, repetidos e imitados, como o facto de viverem numa casa ou serem nómadas.

Destaco a forma como acaba o documentário, o bebé da Mongólia que ficou meses deitado na cama a observar, certamente observou o seu irmão, mais velho, a arrastar um gato por um fio, uma “brincadeira” adotada para si, já que, no fim, vemos o menino que já não é bebé, a arrastar de igual modo, um gato por um fio. Outra situação, o bebé da tribo, desde cedo, imitava uma outra criança a bater com um pau a farinha ou como tenta equilibrar uma lata na cabeça, tal como a sua mãe. Um outro aspeto digno de referência é a socialização que aqueles ambientes permitiram, os quatro bebés experienciaram diferentes formas de socialização. Enquanto, uma ida a um charco para o bebé da tribo é um momento de brincadeira e de socialização com as outras crianças, o bebé de Tóquio passeia no carrinho com outras crianças.

A criança, graças a sua estrutura psíquica particular, absorve os costumes e hábitos do país onde vive, para que se forme um individuo típico da sua raça. Esse comportamento “local” do homem é uma construção misteriosa que também ocorre na infância. É evidente que os costumes e mentalidades especiais de um ambiente são absorvidos pelo homem”.

Maria Montessori

A para disto, este documentário que relata a realidade daqueles bebés também nos revelou exemplos de impedimento ao seu desenvolvimento natural, por falta de conhecimento e da preparação do adulto. Ora vejamos, mal nasceu o bebé da Mongólia foi embrulhado e atado, o que perdurou alguns meses. Deitado em cima da cama envolto em roupa, sem conseguir mexer as pernas, numa das cenas vê se a força que faz com as pernas, mas não as consegue soltar devido a estar demasiado embrulhado. O mesmo bebé apareceu com o pulso atado a algo suspenso no ar e, também, com uma perna amarrada por um fio à cama. Este bebé teve os movimentos limitados, logo a parte sensorial também esteve comprometida, limitando-se apenas a ficar deitado e apenas a observar o ambiente á sua volta. Note-se que, coincidência ou não, mais tarde verificamos que este bebé começa a andar depois dos outros. Vimos adultos impreparados, sem conhecimentos teóricos sobre desenvolvimento e um olhar para a infância pouco científico, limitando-se a cumprir um destino.

Por fim, dizer que este documentário também prova que as crianças aprendem em qualquer ambiente, mas para maximizar o seu desenvolvimento é importante ter o ambiente preparado, pois estamos a apoiar o processo da construção do ser humano, numa visão de um mundo mais harmonioso e mais pacifico essa era a ideia de Montessori, rumo à paz !  

Não podemos, portanto, falar de métodos específicos para tratar crianças indianas, chinesas ou europeias, nem filhos pertencentes a diferentes classes sociais – mas de um método que segue a natureza humana que se desenvolve, pois todas têm as mesmas necessidades psíquicas e seguem o mesmo procedimento para alcançar a construção do homem, todos passam pelas mesmas fases de crescimento.” Maria Montessori

*Horme - Expressão utilizada por Maria Montessori para se referir a força interior de cada criança que a leva a conquistar etapas de desenvolvimento.

Mara Alves

Jornalista e autora do montestory.

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