Como festejar o Natal seguindo Montessori

Para festejarmos um Natal segundo a filosofia montessoriana devemos questionar-nos se realmente seria justo ou autêntico existir uma forma correta de o celebrar, ou um único sentido ou motivo para que este exista e seja celebrado.Maria Montessori, nascida há cerca de 150 anos em Itália num berço católico, teve uma formação também religiosa e escreveu inclusive sobre o ensino religioso antes do seu exílio na Índia.

A filosofia que criou, porém, ultrapassou a religião e gerou uma nova egrégora global, a egrégora da infância – a egrégora da humanidade; por este motivo creio que devemos falar não de um Natal, mas de vários e também do Diwali, do Kwanzaa, do Hanuká e outras festas desta época. Para nós, leitores deste blog, existem dois universos a considerar quando falamos de Natal e infância: o doméstico e o escolar.

O Natal em casa

Em casa devemos privilegiar as nossas crenças, mantendo o respeito pelas demais. Partilhar as histórias do Natal de cada familiar presente, ou até mesmo daqueles que estão distantes. Para mim, que não sigo nenhuma religião particular, Natal significa acolhimento, casa cheia, cozinha cheirosa, mesa farta preparada por todos e um serão bem passado ora com livros, ora com jogos e conversas. O Natal da minha mãe significava a partilha de alimentos do quintal da minha bisavó com qualquer vizinho que não os tivesse, fosse professor, sem lavoura e terras, ou mendigo. Talvez, seja por isso que sempre partilhou aletria, bolinhos de germú, rabanadas, bolos-reis e partilha até hoje legumes da horta que semeia nos tempos livres.

Na minha infância vesti-me eu mesma de Pai Natal por vezes e penso que cheguei a acreditar que existisse de verdade, mas não conseguia deixar de grafar “x” nas diversas caixinhas de verificação do catálogo de brinquedos da Leopoldina e de outros que chegavam repetidamente, mesmo antes de aprender a escrever-lhe cartas. Durante os anúncios do Canal Panda deliciava-me em maio e junho (por causa do Dia Mundial da Criança) e de outubro a dezembro com intervalos longos de publicidade de brinquedos ora rosa, ora azuis cheios de efeitos visuais. Recordo-me também de deixar de escrever “x” e começar a numerar as caixinhas de verificação por ordem de prioridades.

Hoje faço o mesmo com listas de aquisição de livros, objetos de lazer e ferramentas de trabalho, coincidentemente ou não. Não existia Pai Natal em nenhuma das tradições da minha família, nem sei ainda hoje se a minha mãe recebia efetivamente algum tipo de presente no Natal, nem mesmo como seriam os presentes que o meu pai recebia. A minha avó foi com 13 anos da pequena aldeia beirã para a capital por necessidades financeiras então presumo que uma mesa farta para a ceia de uma família com 11 filhos fosse por si só um presente mais do que especial. 

Depois de redigir este artigo explorarei mais histórias pessoais do passado dos que moram no meu coração, mas foi por causa de todas as memórias que carrego de cada um dos meus natais em família que optei por não alimentar a fantasia do Pai Natal para as minhas filhas. O meu Natal pode ser mágico sem alimentar este personagem. Não evito falar dele, hoje a minha filha de 2 anos “reconhece-o” na rua mas falamos que é um personagem que enfeita as ruas do nosso Natal, feito por nós ou representado por nós e se algum familiar quisesse aparecer mascarado penso que seria divertido que ela própria experimentasse os adereços e se visse ao espelho de barba e gorro – desconstruir uma lenda e mostrar no que se baseia é bem mais simples que construí-la e mantê-la, pois cada criança é um ótimo observador científico. Para a mais velha, de 6 anos, é uma figura alternativa a São Nicolau, aos Yule Nórdico, ao Ded Moroz, ao Krampus, à Befana, aos Reis Magos ou ao Hoteiosho por exemplo - são símbolos humanos da nossa capacidade comum de partilhar, pensar e cuidar do outro. Não acho que as prive da fantasia do Natal porque desde Saturnália de Roma Antiga que o solstício de Inverno (Europeu) está envolvido de magia, mas essa magia existe principalmente dentro de cada lar e de cada um de nós. 

Se se debate sobre o que falar aos seus filhos ou netos sobre o Natal considere apenas mais um facto: hoje a ciência atesta o que Montessori observou e descreveu, que crianças menores de 6 anos acreditam no que o adulto diz e após os 6 aproximadamente, questionam-no e entram na fase de desenvolvimento da moralidade em que tentam encaixar no mundo e na história que conhece gralhas implacáveis de honestidade. Para mim, pela pequena importância que o Pai Natal simbolizava na minha história, optar por não falar foi lógico e fácil mas considero que esta deve ser uma decisão familiar e que aclarar factos pode ajudar a pesar melhor os prós e os contras de cada opção.

Na escola

Já o universo escolar natalício encerra mais perigos e desafios: esperamos numa escola uma variedade cultural que nestes momentos coloca em prova a nossa imparcialidade – precisamos de acolher as crenças de cada um sem as alimentar e sem as destruir, pois essa não é a função do professor. No entanto temos liberdade e espaço para perguntar a cada criança o que faz e o que espera, de contar histórias sobre a história de Natal ou falar do Natal ao redor do mundo. Através do Natal podemos usufruir de uma ponte emocional entre o aluno e conteúdos de ciências como alimentação, geografia política ou física, história, religiões do mundo, alfabetizar, estudar matemática, história da arte, física, entre outras disciplinas. Apresentar outras perspetivas de Natal é permitir uma comparação que nos dá a oportunidade de reconhecer melhor o nosso próprio Natal e também trabalhar a empatia e o respeito pelo próximo.

Em suma, Natal não é apenas quando o homem quiser mas também existirá da forma que mais sentido fizer para cada um de nós. Estaria a boicotar a filosofia que Montessori criou se vos transmitisse uma ideia apenas de Natal Montessoriano, pelo que vos passei experiências próprias, a minha quota parte de opiniões pessoais, factos históricos e considerações científicas sobre o desenvolvimento infantil bastante consensuais na atualidade. Festejar é perpetuar tradições, construir sensações de tempo e partilhar o que de melhor temos para dar. Natal é herdar e semear rituais, sentimentos nobres, histórias, músicas, contos e tempo. Dos preparativos aos cozinhados, da expetativa aos convites, das reuniões ao serão da ceia – é um tempo de investimento que transcende relógios.

Bom Natal.

Músicas de Natal no Mundo

Sara Chong

Sara Chong é mãe, pianista, professora de piano na Prima Escola Montessori de São Paulo. Autora da Educating for Peace. Guia Montessoriana em formação e editora do Brasil do Montestory.

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